Eu, entidade elástica e separada de outros corpos
O presente me foge, a atualidade me escapa. A atualidade sou eu, sempre no já.
Esse fim de semana bebi da água viva de Clarice e, pela primeira vez, senti entre nós uma conexão sendo formada. A Elaine brincou que acha que precisa estar na merda pra entender o que ela escreve. Eu concordei - e entendi.
Parei várias vezes no decorrer do caminho pra fazer anotações de palavras dela que, anotadas com meu lápis e meu punho, se tornaram quase minhas.
Brinquei com a ordem das coisas e, com as frases embaralhadas da Clarice, eu fiz essa carta — que só não é um livro porque não é assim que se escreve:
Meu tema é o instante? Meu tema de vida. Mas o meu principal está sempre escondido. O que mais me emociona é que o que não vejo, contudo, existe.
Sou implícita. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. O que sei é tão volátil e inexistente que fica entre mim e eu, e quando vou me explicar perco a úmida intimidade. Estou cansada de me defender; sou inocente.
Posso não ter sentido mas é a mesma falta de sentido que tem a vida que pulsa. Escrevo-te porque não me entendo. Mas vou seguindo. Eu, entidade elástica e separada de outros corpos. Eu, viva e tremeluzente como os instantes. Acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago.
Sou limitada apenas pela minha identidade; tenho ainda alguma coisa que me prende (ou prendo-me a ela). Gosto de nunca. Também gosto de sempre. Não gosto é quando pingam limão nas minhas profundezas e fazem com que eu me contorça toda. Os fatos da vida são o limão na ostra?
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.
Quero captar o presente que pela sua própria natureza já me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa. A atualidade sou eu, sempre no já.
Bem atrás do pensamento há um fundo musical: para onde vou?
A resposta é: vou.