O ridículo necessário
Eu sempre tive medo de parecer ridícula na mesma medida em que sempre me senti meio (completamente) ridícula.
Conforme eu cresci percebi que a ridiculez não me ofende, por exemplo, da mesma maneira que a burrice o faz; com a ridiculez eu consigo conviver porque aceito me enxergar nela. Na burrice não.
Meus alunos do sétimo ano têm mania de trocar xingamentos carinhosos e, vira e mexe, aparece um "burro" ecoando na sala. Não admito."Ninguém nesse mundo é burro", eu sempre digo, "porque inteligência é relativa".
Mas quando um "ridículo" dá as caras eu deixo passar e me permito até uma risadinha por baixo da máscara.
É que o ridículo traz confiança; me diz quem é que não se sente mais confortável perto de alguém absolutamente ridículo?
Na medida em que cresci percebi que o ridículo é necessário pra sobreviver à seriedade da vida. Numa sociedade que lucra com a dúvida e a insegurança abrir mão do ridículo é, também, vender por muito pouco a vulnerabilidade de não saber.
Quantas coisas a gente perde de viver por não ter a experiência pedida?
Conversei com alguns amigos semana passada sobre um costume meu: se uma vaga de emprego pede exatamente os atributos que eu tenho costumo não me candidatar; me candidato justamente para as vagas em que não me encaixo completamente, em que me falta um saber ali dito essencial. Certas coisas a gente aprende no caminho.
Ter uma filha de seis anos constantemente me leva de encontro a situações que deixariam a Fernanda de alguns anos atrás boquiaberta; dançando e cantando no supermercado, cumprimentando estranhos na rua, saindo fantasiada e procurando madeira em caçambas... que ridícula.
Tem uma música que eu gosto muito (e cujo refrão eu dedicaria pro nosso presidente e seus seguidores se a oportunidade me fosse dada); ela chama Los idiotas e a letra é assim:
Todo el mundo tiene un porcentaje de idiotez en su genética
Pa' separarnos con la arrogancia de que en el mundo somos el centro
Mejor unificarnos con el idiota que todos llevamos adentro
Cristóbal Colón descubrió América por pura coincidencia
Por eso, para ser idiota se requiere inteligencia
(...)
Aunque suene raro, a los idiotas los escucho
Pa' tener a un listo que no dice nada
Prefiero a un idiota que hable mucho
Y de todo lo que hable, alguna buena idea habré escuchado
Esa que el sabio se guardó por temor a ser juzgado
E é justamente a essa ridiculez que eu me refiro: a de se atrever a estar em um papel para o qual você não tem talento nenhum mas tem vontade de sobra, à ridiculez que é se permitir ser vulnerável ao julgamento alheio sabendo que ele não passa disso, o julgamento alheio.
Depois que percebi que só eu me conheço exatamente da maneira como sou desisti de tentar explicar para os outros o que me leva a agir da maneira como ajo; me perdoei pela inaptidão para determinadas tarefas e decidi me permitir fazê-las mesmo assim. Não sei dançar mas danço. Não sei cantar mas canto. Falho mas insisto.
E dessa maneira ridícula de viver a vida tirei a lição de que não é preciso ser CEO de nada pra ter direito à opinião. Não existe teste de aptidão pra existência, o importante é ter a coragem de improvisar no caminho.